terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Jorge Vicente (Batieri), meu vizinho

Jorge Vicente. Foto: Facebook Jorge Vicente.


Voltando em 3, 2, 1 ...

A vida tem dessas coisas! Eu não postava nada desde 2012.

Uma hora estamos aqui, escrevendo e postando, outra estamos muito ocupados com as reviravoltas que ela mesmo, a vida, dá, e então não escrevemos mais.
Trabalho, muito surf, família. Mais trabalho. Problemas na coluna. Repouso e recuperação. Mais trabalho! Nem tanto surf.
Uma hora estamos aqui, levando a vida a nossa maneira. Outra, não estamos mais. Nossa alma sai deste plano terreno, para continuar em outros planos, dimensões.
E assim foi com o shaper Jorge Vicente (Batieri), que foi meu vizinho por quatro anos. Coincidentemente, os quatro anos mais intensos em relação ao surf que eu tive até então na minha vida.
Sou um surfista criado nas ondas da Praia do Sol, em Itajuba, município de Barra Velha, Santa Catarina. Um lugar pacato, sem holofotes, sem ondas magníficas, dominado por surfistas de Joinville e Jaraguá do Sul, mas um lugar legal, com raros dias de ondas clássicas, mas com boas opções nas cercanias, como a Coroa de Itajuba, barra do rio Itajuba, Laje do Jacques, Barra do Itapocu.
Mas morei em Joinville (e dois anos em São Paulo capital) até 2013, um pouco antes de completar 41 anos de idade.
Nunca fui preso a minha cidade natal, não fixei raízes lá. Na verdade, sempre me senti um "peixe fora d'água" enquanto em Joinville.
Então, mudei-me para Florianópolis! Na minha humilde opinião, a "capital do surf no Brasil". Era um projeto de vida, meu e da minha esposa Elis, morarmos na praia, e executamos o plano, que acabou dando certo.
E fui morar no Beco dos Surfistas, bairro Lagoa da Conceição, mas praticamente na Joaquina, pois ela fica ali pertinho. Não atoa, tudo pensado e planejado, pois eu ficaria alguns meses sem carro, então precisaria estar perto da praia de forma que pudesse ir até ela a pé ou de bicicleta.
Lugar icônico o Beco dos Surfistas. Quem conhece um pouco da história do surf no Brasil e em Santa Catarina, já ouviu falar do Beco dos Surfistas na Joaquina.
Cheguei lá sem conhecer ninguém, e foi assim durante um ou dois meses.
Então encontrei o Stewson Crippa, o qual já era conhecido e mora ali perto do Beco. Surfista dos bons, excelente competidor, mestre do estilo.
E também encontrei o Ricardo Funes, o qual já havia conhecido em um campeonato em Barra Velha. Laminador de pranchas, sua profissão, empresário dono da Hot Glass, ali no Beco.
Logo depois, vi por ali alguém sobre quem já havia lido e ouvido falar: o shaper Jorge Vicente.
Na sequência, descobri que meu vizinho da frente era o Roberto Perdigão, outra figura que faz parte da história do surf no Brasil e em Santa Catarina.
E assim foi... descobri que o Teco Padaratz morava ali pertinho, e também o Avelino Bastos da Tropical Brasil. E ainda muita gente de tradição no surf.
Surfando na Joaquina quase todos os dias, e as vezes na Praia Mole,  fui conhecendo ainda outros surfistas os quais apenas via na mídia especializada em surf: Marco Polo, Raphael Becker, Diego Rosa, Guilherme Ferreira, Guilherme Ribeiro, Fabrício Machado, Alexandre Herdy, Mateus Herdy, Paulo Moura, José Francisco "Fininho", Rochinha, Roberto Lima e por aí vai, a lista é longa!
Quando se tem coragem para mudar, a recompensa pode ser grande e trazer muita satisfação.
Surfar ao lado de surfistas profissionais, ex-surfistas profissionais, ex-competidores, free-surfers excelentes, é algo que alimenta a alma de quem tem o surfe correndo nas veias, de quem vive e respira surf e tem ele no coração.
Mas eu resolvi voltar a escrever por causa da passagem do Jorge Vicente.
Havia um vizinho que estava começando a surfar e queria fazer uma prancha. Então indiquei o Jorge Vicente para ele, pois eu sabia que ele não era um shaper qualquer e poderia fazer uma excelente prancha para o meu vizinho.
E fui lá, junto com meu vizinho, para fazer a encomenda da prancha. Foi assim que conheci o "tio" Jorge.
Neste dia mesmo já conversamos bastante e ele já contou algumas histórias. Pessoa vivida, cheia de experiências, que também não tinha medo de mudar e ir atrás dos seus sonhos.
Algum tempo depois também fiz uma prancha com ele, a qual era excelente para ondas cavadas e fortes, estilo havaiano, como ele falava. Uma "Vicenteira", foi como ele a chamou.
Conhecia pouco do Jorge Vicente. Conversávamos de vez em quando na rua, ou em frente a Hot Glass. Pelo que falam, ele sempre viveu a vida a "mil por hora", amava todas as mulheres, o surf e a arte de fazer pranchas e tinha um bom e generoso coração.
Morou em Imbituba, teve filho no Brasil (shaper Gabriel Vicente), morou entre Balneário e Itajaí, morou em Floripa no Beco dos Surfistas, foi para o Havaí, casou lá e teve filhos e o Pancho Sullivan (ex surfista profissional) como enteado.
Se tornou um mestre na arte de shapear gunzeiras para as maiores ondas do planeta. Muitos dizem, o melhor do mundo nas gunzeiras. Ficou amigo e também aprendeu com renomados shapers havaianos.
Desenvolveu designs de guns para os "Mad Dogs" brasileiros desbravarem Jaws na remada em condições antes não surfadas a não ser no town-in.
Voltou para Floripa, voltou para o Beco. Pelo que consta, foi em 2012.
Nas poucas vezes em que conversamos, contou-me algumas histórias muito legais. Contou-me de quando o havaiano Derek Ho foi campeão mundial de surf com pranchas shapeadas por ele e, com ele como coach. Contou-me ainda que a mídia havaiana demorou a dar crédito a isto, mas um dia publicou uma matéria dando os devidos créditos.
Contou-em como "grilaram" o terreno dele no Beco dos Surfistas, imóvel que ficava exatamente ao lado da casa onde eu estava morando no Beco.
O ajudei com algumas questões envolvendo a sua tentativa de reintegração de posse neste imóvel.
Nas vezes em que conversávamos, não tirava o olho das mulheres bonitas que passavam. Sabia o que era bom neste mundo!
Bom, tive a oportunidade de conhecer esta lenda, antes viva, agora, lenda de verdade.
Coisa de um valor enorme para um surfista comum de uma praiazinha desconhecida.
Descanse em paz, Jorge "Mestre das gunzeiras" Vicente!